O primeiro palavrão a gente nunca esquece.

Outro dia, assistindo um jogo do Corinthians no tobogã do Pacaembu, presenciei uma cena cômica que ficou guardada em minha memória.

Como de costume, cheguei bem cedo ao estádio para escolher o melhor lugar para assistir o jogo. O estádio o ainda estava vazio, com poucos torcedores, e me dirigi ao centro da arquibancada para ter melhor visão do jogo, sentando bem próximo de um senhor que tinha a companhia de seus filhos, dois pequenos garotos que acredito terem entre 5 e 8 anos de idade. Os garotinhos sempre tentavam acompanhar o pai nos cantos entoados pelos poucos torcedores, e observavam tudo que os outros torcedores faziam para poder imitá-los.

Antes do jogo, os times sobem ao gramado para fazer o aquecimento e reconhecimento do campo, e antes mesmo dos jogadores, o arbitro e seus assistentes subiram para se aquecer. E como é de costume, a torcida vaiou e proferiu todo tipo de ofensa aos mesmos. Nesse exato momento, em que o pai e quase toda a arquibancada, ofendiam o trio de arbitragem, percebi que os garotos e ficaram espantados e apreensivos com a situação. Logo após alguns minutos, o pai deles, e todos os torcedores próximos, cessaram as ofensas.

O garoto mais velho, intrigado com a situação, com uma expressão receosa e de maneira cautelosa, se dirigiu ao pai e perguntou-lhe. “Pai. Posso xingar o juiz?”. Naquele momento, tive a sensação de que o estádio estava em absoluto silencio e não consegui acreditar no que aquele garotinho tão pequeno pedia ao seu pai. Por sua vez, assim como eu, o pai ficou surpreso com a solicitação de seu filho, e após alguns segundo olhando fixamente para o garoto, e com uma expressão que parecia ser de interrogação e rejeição, como se refletisse sobre a resposta que daria ao garoto, respondeu. “Pode. Mas só o juiz... E só no estádio!”.

Sem hesitar, o garoto dirigiu sua atenção para o trio de arbitragem, que já se retirava do campo, e na esperança de se fazer ouvir, colocou as mãos abertas em volta de sua boca, tomando todo fôlego que podia. Naquele momento eu já esperava que ele repetisse algumas das ofensas deferidas pelo seu pai. Mas, naquele momento, ele gritou aquela que talvez fosse a maior agressão verbal que ele conhecia e poderia proferir à alguém. “Seu bunda grande.”, foi o que disse o garoto mais velho, para espanto de seu irmãozinho. Naquele momento eu não me contive, ri muito, e sempre dou risadas quando relembro dessa história.

Busquei na memória o meu primeiro palavrão. Bom, na verdade, não chegou a ser um palavrão, era mais, como diziam meus pais, uma “palavra feia”, e era, até aquele momento, a maior ofensa que eu conhecia.

Minha mãe era muito religiosa, e eu, com menos de seis anos de idade, aprendi com ela que se falasse um palavrão, fatalmente e imediatamente, receberia um terrível castigo de Deus. Castigo esse que eu não fazia a menor ideia de como seria.

Certa noite, junto com outros três irmãos, estava em casa aguardando a chegada de nossos pais e de nosso irmão mais velho, quando escutamos pedras batendo no telhado de casa. Um de meus irmãos logo concluiu que eram os moleques da rua de trás tacando pedras em nossa casa. Poucos segundos depois, mais pedras atingiram nossas telhas, e indignados e dispostos a defender nosso lar, corremos para o quintal a fim de afrontar o agressor.

Chegando ao quintal, não vimos absolutamente ninguém, mas já não aceitávamos ser agredidos sem ter uma retaliação, e acreditando que o agressor de nossa casa poderia nos ouvir, proferimos as maiores ofensas que conhecíamos.

Gritou um dos meus irmãos “O seu bobo, para de tacar pedra aqui em casa”, acompanhado pelo mais velho entre nós que disse, “É um besta quem ta tacando pedra aqui”. O terceiro irmão gritou “Seu mendigo” (para nós, isso também era uma ofensa). Da mesma forma que os garotinhos no estádio, eu escutava e repetia tudo que meus irmãos falavam. Até que um deles disse algo inadmissível, “Esse capeta ta tacando pedra aqui”, o silencio tomou conta de nós, pois sabíamos que não devíamos em hipótese alguma, principalmente dentro de casa, pronunciar a palavra “capeta”. E agora? O que acontecera com ele? Deus vai castigá-lo? Ele tomara uma surra de nossa mãe?

Mas, aprendemos com nossa mãe que, haja o que houver, sempre devemos estar junto e lado-a-lado, um cuidando do outro. Por isso, não achamos justo que um de nós fosse punido por defender os demais. Então, em um ato de união e cumplicidade, todos nós, fizemos uso daquela palavra em nossas agressões verbais. Recordo-me que eu disse “É igual capeta, quem taca pedra na casa dos outros”. Como não tacaram mais pedras e logo voltamos para dentro de casa.

Como todos haviam cometido o erro, todos omitiram o assunto, mas eu realmente fiquei com medo de sair de casa, pois acreditava que se Deus me visse na rua eu seria castigado pela “palavra feia” que havia pronunciado. Pra falar a verdade, eu ainda acho que serei cobrado por esse ato, não sei quando, mas certamente terei que responder por essa e todas as outras palavras feias que já pronunciei na vida. Pois, em minha opinião, ofensa é ofensa, nem maior nem menor, simplesmente errado, simplesmente pecado.

Boa noite, São Paulo! Ainda estou acordado!

Comentários

  1. Hahahaha mto bom Genewild. Realmente nos estádios sempre rola esse tipo de situação. E quando eu era moleque também tinha dessas de não falar palavrão.

    ResponderExcluir
  2. Posso dizer q meu domingo foi salvo...
    Minha mente foi atras de uma lembrança q há mto havia adormecido em minha alma;
    palavras sábias;
    Parabéns!
    "É a mente q define a lembrança q molhará seus olhos!"

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Falar gíria bem, até papagaio aprende!

Mashup!

A dura consciência do racismo